O governo federal acendeu um novo alerta fiscal para 2027, admitindo, pela primeira vez de forma direta, que poderá faltar dinheiro até para manter o funcionamento básico da máquina pública. No entanto, apesar da gravidade do cenário, os precatórios — dívida judicial bilionária da União — foram mais uma vez deixados de fora da revisão de gastos prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, enviada recentemente ao Congresso Nacional.
Segundo economistas e analistas do mercado financeiro, a peça orçamentária apresentada pela equipe econômica projeta um quadro irrealista das contas públicas, superestimando receitas e subestimando o avanço das despesas obrigatórias, que já consomem a maior parte do Orçamento. A consequência é a previsão de um colapso fiscal iminente, com apenas R$ 122 bilhões disponíveis para despesas discricionárias em 2027, contra R$ 208 bilhões estimados para 2026.
O maior foco de preocupação é o retorno dos precatórios ao cálculo do resultado primário em 2027. De acordo com as novas estimativas, cerca de R$ 50 bilhões do orçamento discricionário em 2027 serão consumidos por precatórios e emendas parlamentares, reduzindo drasticamente a margem para investimentos em áreas essenciais como saúde, educação, infraestrutura e segurança pública.
O economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Barros, classifica o cenário como "matematicamente inconsistente" e afirma que o arcabouço fiscal apresentado pelo governo "não se sustenta" a partir de 2027. “O governo está excessivamente otimista na projeção de receitas e não enfrenta de forma concreta o crescimento das despesas obrigatórias. É uma bomba-relógio fiscal prestes a explodir”, afirmou.
Dados oficiais mostram que as despesas obrigatórias devem saltar de R$ 2,39 trilhões em 2026 para R$ 2,84 trilhões em 2029, corroendo qualquer espaço orçamentário para gastos discricionários. Mesmo com medidas pontuais anunciadas, como a revisão de cadastros do BPC, da Previdência e do Proagro, a economia gerada caiu drasticamente — de R$ 28,6 bilhões em 2023 para apenas R$ 16,4 bilhões em 2024, segundo o Tesouro Nacional.
A secretária-adjunta do Tesouro, Viviane Veiga, justificou que os precatórios não estão incluídos na revisão de gastos por se tratarem de um passivo de natureza jurídica e complexa. "Embora o volume seja grande, não tem uma trajetória explosiva", declarou. No entanto, as projeções contradizem essa visão: o valor dos precatórios deve crescer de R$ 115,7 bilhões em 2026 para mais de R$ 144 bilhões em 2029, segundo o próprio governo.
Para o deputado Carlos Zarattini (PT), relator da LDO, o tema dos precatórios deve ser tratado em um projeto de lei específico, fora da LDO. “Desde o governo Bolsonaro, o volume de precatórios cresceu muito. Nosso governo pagou R$ 923 bilhões em atrasados. Agora, precisamos achar uma solução que permita pagar essas dívidas sem inviabilizar as políticas públicas”, defendeu.
A LDO de 2026 começará a ser discutida na Comissão Mista de Orçamento nos próximos dias, com entrega do relatório prevista para junho e votação em plenário em julho. Ainda assim, não há uma proposta concreta sobre como equacionar o problema dos precatórios dentro do novo arcabouço fiscal.
A deterioração das contas públicas já impacta diretamente a funcionalidade do Estado. Projeções indicam que, em 2029, o governo poderá ter apenas R$ 8,9 bilhões em despesas discricionárias — valor muito abaixo do piso mínimo de R$ 170 bilhões determinado pela nova regra fiscal com base em médias históricas. Esse número é considerado incompatível com a manutenção básica de serviços públicos e investimentos estruturantes.
O próprio secretário de Orçamento Federal, Clayton Montes, reconheceu que o problema está claro, mas ainda não foi enfrentado. “A partir de 2027, há um comprometimento que precisa ser endereçado. E, neste momento, com as projeções apresentadas, não foi endereçado.”
O governo Lula, ao manter o tratamento especial aos precatórios e evitar decisões impopulares em pleno ciclo eleitoral, aposta na postergação de um problema estrutural. A estratégia de empurrar com a barriga, no entanto, pode transformar o risco de colapso fiscal em uma realidade concreta a partir de 2027. E, desta vez, não haverá espaço para surpresas: o aviso foi dado.